A lavadeira

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

@Meu Avô

Deus, será que o Senhor poderia entregar este post a ele?
Eu e meu pequeno grande avô no Natal de 2008... Esperando a chegada do primeiro bisneto.


Vozinho...
Essa noite eu sonhei com a gente na fazenda. Você deixou eu dirigir o carro pela primeira vez, sem eu ter que roubá-lo pra ir buscar champagne no Bretas.
Ontem eu puxei na Internet uma seleção de músicas sertanejas de raiz. Achei que eu fosse só me lembrar de você com um tiquinho de saudade. Mas aí quando começou a tocar “no rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo, onde a dor e a saudade contam coisas da cidade...” um rombo abriu no meu coração.
Acho que nunca me permiti sentir sua passagem pro outro lado de forma plena. Tentava me consolar não sendo egoísta, pensando que foi melhor pra você, que você descansou. E me conformava.
Mas hoje, agora, ouvindo essas músicas que eu escutava com você indo pra Capelinha, lá em Jequitibá, de Bonanza, escondido em Sete Lagoas, vieram na minha memória todas as nossas memórias, nossos momentos juntos desde quando eu tinha, sei lá, uns 5 anos.
Eu lembro que você bebia muito e no sábado de manhã a Monica acordava bem cedinho e falava pra eu te dizer que não queria ir pra fazenda com você. Porque voltar com você bêbado sempre era muito perigoso.
Mas você vinha, me perguntava se eu queria ir e eu, desobedecendo a minha avó e desconhecendo o perigo, pulava no seu colo com a minha mochilinha marrom do Juba e Lula e ia.
Chegando lá eu lembro da gente no galinheiro bem cedinho e eu comendo ovo cru, feito um gambazinho. Depois da Dona Sinhá fazendo broa pra mim, canjiquinha de noite. Você ainda fumava cachimbo e quando a noite caía a gente sentava na porta da sala de TV, ficava ouvindo música e vendo os sapos atravessarem a rua.
Você falava pra eu NUNCA ir no sótão porque lá tinha morcego. Aí depois eu descobri que não tinha morcego nenhum e sim muito amendoim, que eu amava, mas como a escada de madeira era quebrada, você tinha medo que eu machucasse tentando ir lá.
Eu lembro do cheiro de lá. Eu lembro do cheiro de tudo.
Lembro do sapo que ficava atrás da porta do banheiro de azulejo vermelho que eu morria de medo que pulasse em cima de mim. (E você sempre atiçava o danado do sapo.)
Você deixava eu e as meninas fazermos barro pra brincar de comidinha, desde que não atrapalhasse a horta. (E a gente sempre atrapalhava e você sempre plantava tudo de novo, com carinho e sem dar bronca.)
Antes da vovó morrer, a gente passava sempre em Formiga, lembra? E eu comprava um sacão de balas pra mim, pra Carol e pra Sabrina. E um estojinho de maquiagem que eu cismava em passar em todo mundo, inclusive nela, na vovó. Dona Limpinha... De quem você sempre falava que eu puxei o tamanho (ou a falta dele), os olhos pequenos e o gênio infernal, a teimosia.
Aí a vovó morreu, as viagens ficaram mais curtas e em 1992 a Capelinha foi vendida.
Nossa infância se resumiu à casa do Mangabeiras. Mas a minha encheção de saco pra ter outra fazenda foi eterna...
Eu lembro da reforma da casa...
A piscina teve que ser esvaziada pra reparos  e pra lavar a sujeira. Eu aproveitei, enchi de detergente e fiquei escorregando naquele paraíso de azulejo branco. Até rachar a cabeça ao cair de mau jeito. Ahahahaha... Eu já tava mais pra lá do que pra cá e você acabou comigo de tanto xingar! Mas quando eu te pedi uma sauna nova, você colocou. E disse que era só minha! E eu usei até estragar de novo.
Aí chegou minha adolescência. Eu não tinha compromisso com nada. Só com você. No domingo de manhã. Ir ao Mercado Central comprar ração e frutas pros passarinhos. E eu ia. Sempre. Arrastando de sono, mas ia. E sempre chegava com um bicho novo, que matava minha avó de ódio! Acho que eu sempre matei minha avó de ódio quando eu era pequena, né?
Daí chegava de noite e você fazia mexido pra mim. Eu comia tudo e quando perguntava o que tinha, você dizia: “tava bom, não tava? Então não tem que saber o que tinha.”
E os natais, Baby? Lembra? Aqueles natais enormes, com as famílias todas reunidas! A sua, da minha avó, às vezes da minha mãe, os amigos do meu pai e dos meus tios... Dava umas 80 pessoas? O Silva sempre vinha à tarde para dar o presente e trazia a mulher e os filhos. Lembra uma vez que eu caí na porrada com o filho mais novo dele? Ahahahaha... E você gritou, Dona Olímpia Garcia Coutinho, pára com isso agora! E eu parei. Só porque você me chamou pelo nome da vovó.
O Natal do ano passado foi horrível. Meu pai e o Emiliano brigaram, quase na porrada. Ninguém fez sequer uma oração, você não fez seu discurso... Esse ano a Kika disse que não vai. Minha avó disse que vai viajar ou passar com a tia Ivanir. Devemos passar só eu, papai, Bianca e Camboja. Talvez a Marina. Vai ser triste. É triste sem você.
Lembra quando a gente ia visitar a Dindinha, lá nos Cunhas? Era bom, né? Uma montoeira de gente, de primos, de tios... Eu roubava no buraco que a gente jogava a tarde inteira! Depois teve um dia que eu e a Kika resolvemos passar babosa no cabelo e virou uma melequeira! Ficamos com o cabelo ensebado o feriado inteiro e você só ria da nossa cara.
Eu e Carol passávamos o dia em cima de uma árvore. E você sabia exatamente onde achar a gente.
O dia que você levou a gente pra fazenda nova foi o melhor.
Seu loroteiro, vendedor de uma figa! Enganou todo mundo! Disse que o Paulo tinha emprestado o sítio dele pra gente passar o fim de semana e carregou todo mundo pra lá. Família INTEIRA. Namorados, namoradas, todo mundo!
Quando a gente tava indo embora, suspirando por aquele lugar lindo, você solta: “vocês podem voltar no fim de semana que vem. Isso aqui é nosso.” Todo mundo com cara de tacho, uns chorando, outros vibrando e ninguém acreditando que os áureos tempos de fazenda haviam voltado.
Juju foi muito pra lá. Ian também. O Thales, filho do Alessandro, adotou um bodinho lá! Ehehehehe... Ian ainda vai muito lá, Baby. Já comeu amora do pé, já quase se afogou na piscina, adora aquele galinheiro. Eu queria que você o tivesse levado naquele galinheiro. Mas o papai o faz com o mesmo carinho que você fazia comigo. Acho que ele só não come ovo cru. Mas faço questão de deixar os dois sozinhos lá. Como eu ficava com você.
Ai, vozinho, que saudade!
A gente sempre foi tão companheiro, né?
Você me deu de presente de 18 anos uma viagem pra Noronha... E lá fomos nós 3: eu, você e a Monica. E como nós dois nos divertíamos mais do que ela, não era raro a gente deixar ela no hotel e sairmos só nós. Pra jantar, pra passear.
E o dia que a gente foi no japonês e eu te fiz comer wasabi puro! Ahahaha... A gente aprontava. Muito.
Lembra do último fim de semana na fazenda antes de você adoecer? Que farra! Eu levei minha turma toda! E todos os seus netos, menos a Juju, estavam lá também. Inauguramos a churrasqueira lá debaixo com muita festa. Você jogou Perfil, Imagem e Ação, dançou, cantou, comeu com a gente... E nós dois fomos os últimos a irmos dormir. Na quinta-feira você teve o AVC.
Mas nem por isso deixou de comemorar comigo meu aniversário de 23 anos. Deixou de estar presente nas conversas ao redor da piscina. De dar palpites nas comidas que o papai fazia – porque depois de você ele assumiu a chapa, né? Só não anda com o paninho na cintura porque com a quantidade de vezes que pula na piscina durante o dia, não haveriam paninhos suficientes para repor a toda hora.
Não deixou de estar na maternidade quando o Ian nasceu, nem de segurá-lo, ainda que com muita dificuldade, no colo. Ele está cada dia mais parecido com você, Baby.
Eu estava lá quando você desistiu, vozinho. Foi uma das coisas mais duras que eu já ouvi na vida. Em dois momentos de lucidez naquela porcaria de CTI, você pegou a minha mão e disse “Baba, eu quero morrer. Eu to sofrendo muito.” Eu te peguei, te sacudi e te disse: “Não fala isso! Nunca mais!”
Três dias depois você foi. Eu escolhi seu terno, sua gravata. Você foi guerreiro. Foi digno. E esperou eu ter meu filho, como eu sempre pedi a Deus, pra conhecê-lo antes de ir. É. Eu orei muito, Baby. Pedi a Deus pra me dar um filho, um menino, pra que você conhecesse e abençoasse e conhecesse antes de deixar a gente. Hoje você deve saber disso porque está aí do lado Dele.
Preciso ir, vozinho... Vou pra Sete Lagoas atender um cliente e meu terno já está encharcado a essa hora de tantas lágrimas. E eu não vou segurá-las mais quando eu sentir saudade. Chega.
Eu te amo.
“Eu não vou negar sem você tudo é saudade, você traz felicidade. Eu não vou negar...”